Nos últimos anos, uma tendência alarmante tomou conta do entretenimento mundial: a transformação de assassinos cruéis em celebridades. Crimes reais, antes tratados com seriedade jornalística e respeito às vítimas, tornaram-se o palco de um espetáculo grotesco em que a narrativa deixa de destacar a brutalidade dos fatos para dar lugar à vida, ao drama e até aos “romances” dos criminosos.
De produções internacionais a séries brasileiras, o efeito é sempre o mesmo: psicopatas são apresentados como figuras quase fascinantes, enquanto parte do público, já dessensibilizada pela superficialidade cultural, reage com idolatria, fanfics, memes, edições e até fã-clubes dedicados a pessoas responsáveis por atrocidades reais.
Vivemos uma época em que crimes que, há trinta anos, chocavam o país inteiro hoje são discutidos como se fossem novelas românticas. Essa inversão de valores revela uma decadência moral e emocional que se expande como uma doença cultural.
A Sociedade Adoecida da Era do Espetáculo
A popularização desse fenômeno diz muito mais sobre as pessoas do que sobre as produções. Jamais a humanidade foi tão bombardeada por estímulos e conteúdo rápido. Nessa busca incessante por atenção, tudo precisa ser exagerado, chocante e emocionalmente manipulador.
É justamente nesse cenário que surge o problema: as vítimas desaparecem da narrativa, substituídas pelo glamour construído em torno dos criminosos. O horror se torna consumo casual. O choque se transforma em entretenimento. A violência deixa de ser advertência e se torna produto.
O Caso Tremembé: Um Exemplo de Como Não Produzir True Crime
Entre as produções mais desastrosas dentro desse contexto está Tremembé. Tentando surfar na onda das obras de true crime, a série erra em absolutamente tudo que define o gênero e cai no pior dos caminhos possíveis: humanizar criminosos de forma artificial e irresponsável, quase transformando-os em protagonistas trágicos.
A produção sofre com atuações fracas, carregadas de trejeitos exagerados, caras e bocas ensaiadas, como se o elenco tivesse estudado mais expressões diante do espelho do que o caso real em si. Nada soa natural. Nada soa verídico. É uma caricatura do que deveria ser uma obra séria.
Há também uma dependência excessiva de figurino, maquiagem e ambientação, como se estética fosse capaz de substituir profundidade. A caracterização funciona como distração, tentando mascarar a falta de roteiro, de emoção verdadeira e de complexidade psicológica real.
O resultado final é uma série que tenta justificar o injustificável, oferecendo ao público uma versão melodramática dos criminosos que cometeram atos completamente desumanos.
Quando a Ficção Perde o Propósito e a Realidade Perde o Respeito
A ascensão dessa abordagem romântica do crime revela algo ainda mais perturbador: a banalização do mal. Quando o público começa a ver assassinos como protagonistas interessantes, fascinantes ou dignos de empatia, significa que algo está profundamente errado.
A doença dessa sociedade não se manifesta apenas na reação do público, mas também nos próprios criminosos retratados. Um exemplo chocante aparece na série quando um dos assassinos é mostrado usando uma peça íntima feminina. Enquanto isso era explorado na obra quase como um elemento dramático, a reação do indivíduo real foi reveladora: aceitava ser chamado de assassino, mas não tolerava que sua masculinidade fosse questionada.
Ou seja, a mente distorcida de um homicida prefere carregar o rótulo de criminoso brutal a ver seu orgulho ferido. A série, ao enfatizar esse tipo de detalhe, transforma o absurdo em entretenimento, alimentando exatamente a histeria e a idolatria que deveria condenar.
O ambiente digital agrava tudo. Surgem fanfics, vídeos romantizando psicopatas, grupos de defesa de assassinos e até comentários justificando atrocidades. Aquilo que décadas atrás seria considerado delírio coletivo, hoje se espalha como tendência.
A linha entre realidade e espetáculo se dissolve. O grotesco vira normal. A crueldade vira pauta de entretenimento. O criminoso vira protagonista.
Por Que Isso Está Acontecendo?
A resposta é simples e perturbadora: porque dá audiência. Porque gera cliques. Porque viraliza. Porque emociona quem já não sabe mais identificar limite ético, empatia ou gravidade real.
Crimes reais fornecem tudo o que a máquina do entretenimento deseja:
História pronta, impacto emocional, curiosidade mórbida, dualidade moral e um enorme potencial de viralização.
Mas isso tem um preço, e é muito alto.
A Linha Entre Documentário e Circo Está Destruída
Produções como Tremembé não apenas falham artisticamente; falham eticamente. Traem o propósito do true crime, desrespeitam a memória das vítimas e alimentam uma cultura perigosa em que assassinos são tratados como estrelas de rock de moral invertida.
Aos poucos, a sociedade vai se acostumando à inversão completa de valores. E quando isso acontece, não é apenas o entretenimento que entra em decadência.
É a sociedade inteira.
Minha resposta ao comentário da atriz Marina Souza Ruy Barbosa em uma paródia muito bem construída sobre a doença da sociedade brasileira em relação a criminosos transformados em “celebridades”. Paródia essa que critica diretamente a série da qual ela é protagonista.












